HOMILIA DO NATAL: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”
“Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino recém-nascido, envolto em pano e deitado numa manjedoura”. Estas palavras do anjo direcionadas aos pastores do campo que são atestadas pelo evangelista São Lucas, tornam-se o cerne da Eucaristia hodierna. Todos nós nos encontrávamos durante essas semanas do Advento em preparação para esta grande solenidade da manifestação cabal de Deus, que vem até nós de modo simples e humilde.
O Senhor assumiu nossa humanidade, assumiu nossa gradualidade, assumiu a espera, assumiu a aprendizagem. Ele, o Eterno, rompe a eternidade e fecunda a temporalidade, assumindo a nossa realidade humana exceto o pecado, uma vez que o pecado é a desumanização do homem e da mulher. Não encontramos Deus em um berço de ouro, ornado, rodeado de fausto, mas o encontramos humildemente numa manjedoura, e,” mesmo sem dizer nada, deu-nos uma lição, como se irrompesse num forte grito: que aprendamos a tornar-nos ricos nele que se fez pobre por nós; que busquemos nele a liberdade, tendo Ele mesmo assumido por nós a condição de servo; que entremos na posse do céu, tendo Ele por nós surgido da terra” (Santo Agostinho).
A manifestação de Deus se dá em um estábulo em um espaço singelo entre animais e feno, se dá no que chamamos de presépio, uma expressão afetuosa vivida por nosso Seráfico Pai São Francisco e que hoje é tão caro a nós cristãos e tão presente em nosso meio. Encontramos presépios no shoppings, nas praças, nas igreja, nas escolas e montamos sobretudo em nossos lares, e nessa singularidade e singeleza, fazemos memória da glória divina. Essa glória divina chamamos de Encarnação, a majestade assume a modéstia, a força se torna fraqueza e a eternidade se faz mortal, ou seja, Deus assume nossa condição para que toda humana-criatura pudesse novamente participar se sua divindade.
Para nossa espiritualidade franciscana a Encarnação do verbo é um dos três pilares contemplados por nosso pai Francisco. Tanto Frei Tomás de Celano como Frei Boaventura traduz o amor do pobrezinho de Assis pelo Infante Deus. Francisco de Assis se encanta não pelo fato acontecido, mas pela novidade, pela essência, é totalmente absorto pela desapropriação do Verbo, o que nós franciscanos professamos e chamamos de senhora pobreza, a minoridade de Deus.
São Paulo, o apóstolo das gentes no celebríssimo cântico cristológico escrito para a comunidade de filipos, conta esta desapropriação do Verbo ao dizer que o Filho bendito do Pai das misericórdias “mesmo sendo de natureza divina não se apega o ser igual a Deus Pai, e assume a condição de um escravo, a nossa condição.” (Fil 2,6-7) Mas para que? Somente para remir? Também! O Verbo do Pai, o Infante Deus, pela sua desapropriação nos ensina que para sermos eternos precisamos assumir a mortalidade, pois somente sendo verdadeiramente humanos, alcançamos a vida divina. Esse é o sentido do Natal para nossa comunidade cristã, o sentido da nossa caminhada, tal como Cristo, nos esvaziarmos de nós mesmos para participarmos da felicidade de Deus, para participarmos de sua bem-aventurança.
Meus irmãos e irmãs, acredito que é até vergonhoso nos aproximarmos do Presépio do Senhor, contemplar a minoridade de Jesus Infante na manjedoura, pois nos deparamos com um Deus solidário, que tira a humanidade de condições de trevas e afasta-nos das sombras da morte, quebrando o bastão opressor. O que precisamos fazer? Precisamos fazer o que São Paulo diz a Tito: “renunciar à impiedade e aos desejos mundanos para vivermos, no tempo presente, os frutos do natal do Senhor que são a temperança, a justiça e a piedade” (Tito 2, 1-3).
Por fim, meus irmãos e irmãs, nesta noite solene que na liturgia Deus multiplica a nossa alegria e aumenta nosso contentamento, voltemos os nossos olhares para o presépio e contemplemos o Menino de Belém para irmos além de suas lindas afeições, alcançando o âmago da celebração natalina, a minoridade e a solidariedade de Deus que veio fazer morada em nós pela Encarnação do Verbo.
Que Maria Santíssima interceda por nós, assim seja, amém.
Frei Bernardo Vitório